Ser feliz apesar do que perdemos
Recebo muitas pessoas em meu consultório que vieram procurar a psicoterapia para aprender a lidar com perdas que sofreram em suas vidas. Perder alguém que amamos, perder o emprego, perder o sentido da vida, perder uma oportunidade, enfim, todas os tipos de perdas são comumente acompanhadas de sentimentos de vazio, tristeza, falta de sentido, podendo culminar em quadros patológicos como depressão, fobias, transtorno de ansiedade, de pânico.
Aprender a lidar com as perdas é fundamental para a manutenção da saúde psíquica. Vamos então, refletir juntos sobre esse tema.
Perdas no cotidiano
O tempo todo, todos os dias estamos perdendo e ganhando coisas, abrindo mão, fazendo escolhas. Sempre que optamos por algo, estamos “perdendo”, abrindo mão das outras opções e também ganhando algo. Pensar no que perdemos nos gera muitas vezes angústia, pois queremos abarcar todas as possibilidades, ter certeza que estamos escolhendo a melhor opção. Quando perdemos algo ou alguém importante para nós, a tendência mais comum é ade ficar olhando para trás, lamentando pelo o que ou quem perdemos, pensando no que poderíamos ter feito para evitar aquela perda. E pior, acreditando, piamente, que o controle sobre o outro que perdemos estava em nossas mãos. E assim, passamos muitas vezes a viver para tentar evitar novas perdas, tentando não repetir o acreditamos que gerou a perda. Acabamos adoecendo e deixando de viver o presente.
Eu não tenho controle
Com essas atitudes frente às perdas nos esquecemos de algumas coisas importantes: nós não temos controle sobre o outro, sobre quando ele decide partir de nossa vida. Nós não temos controle sobre a vida e a morte e quando a vida irá terminar e quando quem amamos vai partir. Por mais que gastemos tempo tentando evitar perdas elas sempre acontecerão em maior ou menor escala. Elas são parte da vida. Perdemos a hora de acordar, perdemos o ônibus, perdemos as chaves, perdemos tempo, perdemos a noção, perdemos o emprego, perdemos os amigos, perdemos amores, perdemos pessoas, nos perdemos de nós mesmos. Esses processos de perdas são processos constantes de morte e renascimento. Perdemos (morremos) para a criança que fomos um dia e nascemos (renascemos) para ser um adolescente, perdemos o adolescente e renascemos para um ser adulto, perdemos o lugar de solteiro e renascemos casados. Estamos constantemente morrendo e renascendo, perdendo e ganhando algo novo, experiências até então desconhecidas.
Um novo olhar
Os problemas começam quando insistimos em fixar nosso olhar sobre o que perdemos e esquecemos de olhar para o que estamos ganhando, quando esquecemos de olhar para o novo que surge em nossas vidas a partir do espaço deixado pelo que se foi. Para crescermos, para aprendermos, para deixarmos de repetir sempre os mesmos comportamentos, precisamos de um espaço na nossa vida, precisamos perder nossa falsa segurança apoiada nos fatores externos, precisamos sair de nossa zona de conforto, precisamos perder, precisamos abrir mão do conhecido e nos arriscarmos em territórios novos.
O medo surge, pois insistimos em olhar para esse vazio deixado pelo que se foi como o nada. Mas temos escolha, podemos olhar para ele como um espaço aberto para que o novo venha, para que possamos ganhar, para que possamos renascer. Obviamente que as perdas nos causam dor, sofrimento, mas isso ocorre apenas se insistirmos em acreditar que possuímos coisas, pessoas, lugares, situações. Quando conseguimos nos lembrar de que as coisas mudam constantemente, que tudo na vida é transitório e que estamos aqui de passagem, passamos a encarar as perdas de um modo mais leve.
Estamos de passagem
Na nossa passagem pela vida temos a oportunidade de encontrar pessoas, de experienciar sentimentos, situações. Alguns encontros são mais longos, duradouros e marcantes e por isso tendemos a acreditar que são eternos, mas todos terminam. Algumas coisas sim, são eternas, o amor, a alegria, a sabedoria, os aprendizados que temos em cada um desses encontros e experiências. Esses aprendizados vão reafirmando e nos lembrando de nossa verdadeira essência. Se escolhermos olhar para eles, para o que nos tocou nos encontros que tivemos pela vida afora, as perdas se tornam menos dolorosas. E assim poderemos experimentar no lugar da dor, a saudade, guardar as boas lembranças e os aprendizados, desfrutando da vida presente, dos encontros que estão acontecendo no presente. Podemos com a saudade vivificar quem e o que se foi, conectando-nos com as emoções positivas e os aprendizados que tivemos com essas pessoas e situações. Essas emoções positivas nos impulsionam para construir a nossa felicidade presente.
Ser feliz, apesar do que perdemos
Quando escolhemos desfrutar do que estamos vivendo no presente , quando nos conectamos com a fluidez da vida, lembraremos que as perdas vão sempre ocorrer, e o que vai fazer diferença, afinal, é a forma como vamos lidar com elas. Podemos aceitá-las (o que não significa gostar, apenas enxergar que elas são uma realidade) e nos abrir para construir novos aprendizados e preencher com coisas mais saudáveis e amorosas o espaço deixado. A opção da aceitação é um caminho a ser percorrido, caminho esse que muitas vezes necessita de ajuda para ser trilhado. A psicoterapia é um recurso auxiliar na construção desse caminho.
É fato que, ao aceitarmos a realidade de que a vida é transitória, tudo muda, se transforma, adquirimos um maior poder sobre nós e sobre nossa vida. Vamos então, olhar pra frente, aprender a lembrar do que passou com saudade e usar os aprendizados para construir algo novo em nossa vida. Assim, poderemos escolher viver a felicidade, apesar do que perdemos.