A Competição nos Relacionamentos
Ser feliz ou ter razão?
Quero relatar uma pequena história que li:
Oito horas da noite, atrasado, o casal segue para um jantar na casa de amigos. Tanto o endereço quanto o caminho são novos, mas a esposa teve o cuidado de conferir o mapa antes de sair.
O marido dirige, enquanto ela o orienta e pede para que vire na próxima rua à esquerda, porém ele tem certeza de que deve virar à direita.
Uma pequena discussão se inicia, mas ela deixa que ele decida o que fazer.
Ele então vira à direita, mas percebe que estava errado.
Com certa dificuldade, ele admite o erro, enquanto faz o retorno.
Neste momento sua esposa sorri e diz:
– Meu bem, não há nenhum problema em chegar um pouquinho atrasado.
– Mas se você tinha tanta certeza de que eu estava tomando o caminho errado, porque não insistiu um pouco mais? – Perguntou o marido.
– Bem, entre ter razão e ser feliz, eu prefiro ser feliz. Nós estávamos à beira de uma discussão, e se eu insistisse um pouco mais, teríamos estragado nossa noite.
Autodesvalorização e competição
Quando não estamos cientes do nosso valor queremos prová-lo a todo custo, temos que nos auto afirmar, brigar. E assim, se inicia uma competição. Queremos ter certeza do nosso valor e o que vai nos comprovar isso é a aceitação do outro, é o reconhecimento do outro. “Eu sou bom, eu sei, eu estou certo de que devemos ir pela direita, minha saída é a melhor, meu jeito de ser é o correto, minha forma de viver e pensar é a melhor para nós dois.” E achamos que se o nosso parceiro aceita isso, estamos seguros, estamos a salvo. O problema começa quando nosso parceiro também se sente assim e tenta provar para nós que ele tem razão. Inicia-se uma competição sem fim, um jogo de tênis, como ilustra Rubem Alves em seu texto Tênis x Frescobol. Queremos derrubar os argumentos do outro, queremos nos vingar, acertar a bola com mais força, descontar o que o outro nos fez. Assim começam as brigas, as discussões, as agressões. Gastamos uma imensa energia nesse propósito. Ficamos alerta o tempo todo, buscando encontrar onde o outro errou para o acusarmos e dizermos onde nós acertamos, que somos melhores do que ele. Pior ainda é quando o casal começa a competir nas dificuldades, para ver quem se sacrifica mais pelo outro, pela relação. Cai-se na vitimização. E toda vítima precisa de um carrasco, e o parceiro passa a ser o carrasco. Vive-se na dor, na falta, na carência e na expectativa de que o outro mude e reconheça o que eu faço de bom por nós. Nessa competição os dois perdem. Estamos buscando nos sentir bem, satisfeitos, reconhecidos, mas acabamos por nos sentir tristes, vazios, frustrados, com raiva.
Quando nos conscientizamos do nosso verdadeiro valor, não precisamos prová-lo a ninguém. A esposa sabia que estava correta, contudo, escolheu ceder à vontade do marido, evitando que os dois perdessem com a briga.
Cientes do nosso valor, não precisamos querer ser o que o outro é, ou ter e fazer o que o outro faz, não há espaço para a inveja. Não há espaço para vitimização, pois sabemos que somos nós que fazemos nossas escolhas, nós construímos a nossa vida e ela é reflexo do nosso modo de ser. Deixamos de culpar o outro pela nossa infelicidade. A única competição que acontece é conosco mesmos, buscamos ser cada vez o melhor que podemos ser, não para mostrar ou para provar algo para o outro, mas para nossa própria satisfação. Cientes de nosso valor, somos capazes de reconhecer o valor do outro. Cientes de nossa capacidade, de nossa sabedoria, de nosso conhecimento, de nosso modo de ser, podemos abrir espaço para reconhecer o valor, a capacidade, a sabedoria, o conhecimento, o modo de ser do outro, sem nos sentir ameaçados. Conscientizamo-nos de que podemos compartilhar, de que há espaço na relação para sermos o nosso melhor e para o outro ser o seu melhor. Quando reconhecemos nosso valor, nos sentimos bem. Se o reconhecimento do outro vem, nos sentimos melhor ainda, mas não há dependência do reconhecimento alheio para sentirmos bem-estar. E assim, passamos a jogar frescobol. Os dois ganham, os dois saem felizes, os dois se sentem bem, pois sabem reconhecer o seu melhor.
Como mudar o jogo?
Mudar o hábito de competir no relacionamento nem sempre é fácil, pois fica aquela sensação de menos-valia, de que se está perdendo o jogo. Mas quem disse que o amor é um jogo? O amor é fluidez, é troca, é compartilhar. Se quisermos encarar como um jogo, precisamos, enquanto casal, fazer parte do mesmo time.
Ao nos relacionar com alguém de modo saudável, buscamos ser ainda mais felizes ao lado do outro, mais felizes do que éramos sozinhos. Buscar a felicidade a dois envolve reconhecer o prejuízo que minha atitude causa não só para mim, mas para quem está ao meu lado. Relacionar-se envolve pensar em “nós”, envolve abrir mão, envolve ceder. E ceder não é sinônimo de perder. É sinal de inteligência emocional.
Se nos amamos buscamos a nossa felicidade. Se amamos nosso parceiro queremos vê-lo bem, feliz. Quanto mais os dois estão felizes, melhor será a relação. Parar de competir envolve uma decisão mútua. Os dois precisam escolhemos mudar, escolhem agir de modo diferente em prol da relação. Ainda está difícil? Os dois podem pedir ajuda para aprender a fazer isso. Se não sabemos nos valorizar, precisamos compreender as questões emocionais envolvidas nisso, precisamos nos conhecer, conhecer nossos medos, carências, expectativas que nos levam a agir de modo agressivo conosco mesmos e com o nosso parceiro. A psicoterapia individual ou a psicoterapia de casal são ótimas aliadas nesse processo de mudança.
Afinal, tudo o que queremos é nos sentir amados, reconhecidos, valorizados. Só não podemos nos esquecer da lei de causa e efeito que rege o universo:recebemos de volta aquilo que doamos. Então doemos a nós mesmos e ao outro o amor, a valorização e o reconhecimento que desejamos receber. Esse, acredito, é um caminho para a felicidade.